Transexualidad
No dia da visibilidade trans

Uma reflexom ante a viôlencia.
31 mar 2025 08:00

Cometim um crime. Som mulher e cometim perjúrio polo simples facto de me declarar mulher. Na verdade, se nom quigesse manter aberta a possibilidade de poder viver em Bolikin (nome decolonial de Puerto Rico) renunciaria o meu passaporte estado-unidense. Eu som boricua, da diáspora, e como Puerto Rico é umha colónia dos Estados Unidos o passaporte estado-unidense é o passaporte para a gente boricua. E pois. Agora temos um fascista na Casa Branca. O primeiro dia da segunda presidência de Donald Trump, ele assinou umha ordem executiva que elimina a existência legal das pessoas trans titulada “DEFENDING WOMEN FROM GENDER IDEOLOGY EXTREMISM AND RESTORING BIOLOGICAL TRUTH TO THE FEDERAL GOVERNMENT” (Para a defesa das mulheres da ideologia de género extremista e para a restauraçom da verdade biológica no governo federal). E com a sua assinatura, eu –mulher trans– tornei-me um homem para a lei. É possível que a cisnormatividade da nossa sociedade impossibilite muites leitores de compreender a violência desta açom. Além da violência intencional de nos negar mesmo o reconhecimento do que somos, também é forçar, no caso das mulheres, umha minoria já extremamente marginalizada a registrar-se como homens, casar como homens, ir ao cárcere de homens, ver denegados recursos vitais em tempos de necessidade extrema...

O meu passaporte caducou durante a pandemia e quando lim as novas, pedim dinheiro emprestado para um bilhete para Madrid na mesma semana. Queria renovar o meu passaporte antes de o goberno trumpista puder despedir todas as pessoas funcionárias que simpatizam com a minha causa, como bem está a acontecer no momento em que escrevo.

Cometim perjúrio sem mentir. Se o governo quer violentar-me, que o faga. Eu nom a vou fazer.

Quando cheguei ali, avisárom-me de que pôr um “F” no formulário seria cometer perjúrio. Por lei, tenho que marcar um “M”. Trump, o grande feminista TERF, aboliu o género e declarou que unicamente existe o sexo –e entende-o em termos bastante reducionistas e conservadores (nom segundo a riqueza plural que nos ensina a biologia).

Cometim perjúrio sem mentir. Se o governo quer violentar-me, que o faga. Eu nom a vou fazer.

I minhe companheire estava comigo, e bem que me defendeu. Chorei. Achei-me assim perante o dilema da gente minorada e violentada: ter que decidir se vou permitir que as minhas lágrimas dem testemunho ou se as mantenho em privado, se as mostro para explicarem a dor que a situaçom cria em mim ou se fazê-las públicas me degrada.

Quero enumerar umha série de lições que tirei destes acontecimentos.

ABOLIÇOM DO SEXO/GÉNERO

Acho que é momento de sementar um ideia bastante polémica e algo utópica no contexto atual: a aboliçom do género legal. Temos que entender que o que está passando nos Estados Unidos pode-se dar em qualquer lugar. Pode passar aqui. Compre desbotar o mito do progresso como umha linha recta. Em nengum momento devemos parar de luitar polos nossos direitos, mas é fundamental entendermos que a conquista de direitos nom é o fim da historia. As TERF que querem expulsar as mulheres trans do movimento feminista e da mulheridade, concordam com as ações de Donald J. Trump. Caírom numha trampa e perdêrom o norte. Já é algo visível para todo o mundo. J.K. Rowling apoia um fascista, um pretenso ditador de direitas.

Até agora, o ativismo trans apelava ao estado para reconhecer e marcar quem éramos. Pedíamos o reconhecimento para as mulheres e homens trans, e umha marca X para as pessoas nom-binárias que assim o desejarem. Isto conseguiu-se nos Estados Unidos e agora foi eliminado sob Trump. Às vezes, estas estratégias para normalizar e assimilar as identidades trans dentro dos aparatos estatais –afinal de contas, para as legitimar– acabam por se tornar contra nós. Nom é o estado quem nos dignifica, a dignidade surge unicamente de nós mesmis. As TERF querem derrubar o género e conservar o sexo legal, justo como fixo Trump. Umha ideia do sexo reducionista, colonialista e violenta contra as pessoas trans e intersex.

Penso que é o momento de começarmos a pensar em abolir o sexo e o género na sua totalidade como algo que o estado marca e regula.

Penso que é o momento de começarmos a pensar em abolir o sexo e o género na sua totalidade como algo que o estado marca e regula. É um debate enorme e tem muitas implicações –como, por exemplo, nas leis de violência de género. E está longe de ser praticável neste momento histórico, mas tudo nasce assim. Quanto mais nos libertarmos do estado, mais intocáveis seremos quando o estado tente violentar-nos. É umha ideia que viria acompanhada do abolicionismo da industria e do sistema carcerário, outra revoluçom necessária mui pouco debatida no estado espanhol.

O RECEIO DE HISTORIAS SIMPLISTAS

A minha história pessoal nom é a pior de todas as que estám acontecendo nos Estados Unidos. Há familias que poderiam perder as suas crianças, por apoiá-las. Há pessoas trans que perderam os seus medicamentos vitais, a sua proteçom legal, a igualdade, a possibilidade de existirem publicamente. A violência está a aumentar e em certos estados a discriminaçom vai ser brutal. Já há vagas de pessoas fugindo do país e nom tenhem direito a qualquer proteçom internacional por virem dos Estados Unidos. Nom merecem nem mais nem menos simpatia que as pessoas trans que fogem doutros lugares repressivos e violentos. Em geral, os nossos sistemas de acolhida nom servem. Em Sete Outeiros, temos umha mulher trans brasileira a quem lhe foi denegada a proteçom no estado espanhol. As fronteiras matam. Desde posturas anti-coloniais devemos lutar contra as fronteiras, mas também, perante a ameaça da violência autoritária e fascista, o nosso movimento tem que ser totalmente transfronteiriço.

Os Estados Unidos nom som só um símbolo do imperialismo. Som o lar de muitas pessoas oprimidas. Pessoas racializadas, pessoas trans, pessoas racializadas e trans à vez. Nom há tempo para histórias simplistas.

EM COMUNIDADE

Com a morte do mito do progresso, também deve morrer o individualismo ocidental que o acompanhou. O colonialismo plantou nos corações de Europa a ideia de que nom há nada que aprender dos lugares colonizados. Esta ideia, ainda bastante interiorizada, é puro supremacismo.

Como dixo Angela Davis, “As pessoas trans elevárom a nossa compreensom do que é necessário para alcançar a justiça. Nom só aprendemos das pessoas trans, mas também nos ajudam a evoluir e a questionar o que é “normal”.

O mundo tem muito que aprender do movimento trans; e também o movimento trans tem muito que aprender do anti-colonialismo.

Sendo eu umha boricua trans, vejo que o mundo tem muito que aprender do movimento trans; e também o movimento trans tem muito que aprender do anti-colonialismo.

A cultura do individualismo tipicamente europeia nom nos salvará do que está por vir. É fundamental organizarmo-nos cada vez mais em comunidade e procurar também alianças com as outras margens sociais. Assimilarmo-nos numha sociedade em descomposiçom nom é o nosso objetivo. Em tempos de crise económica, com o espectro do fascismo à espreita, nom podemos perder de vista a possibilidade de mundos melhores. A nossa existência tem um potencial liberador, mas só se nos posicionarmos nela.

Arquivado en: Transexualidad
Informar de un error
Es necesario tener cuenta y acceder a ella para poder hacer envíos. Regístrate. Entra na túa conta.

Relacionadas

Campo de cuidados
Campo de cuidados Lágrimas de luz
Observaciones tras un concierto apretado acerca de jotas, quereres, adolescencias y diversidades de las que caben en todos los marcos, en todas las plazas y todos los pueblos.
LGTBIAQ+
Juicio el 9 de mayo Lidia Falcón pide cinco años de cárcel a una mujer trans por un tuit de 2021 que no la menciona
La activista antiderechos Lidia Falcón denunció a Diana Juan Cano en 2021 por un tuit que apenas tuvo repercusión. La acusación pide una pena de cinco años de prisión y 50.000 euros de indemnización.
Opinión
Opinión Sonará tu nombre cuando nazca el mío
No fue hasta que empecé a habitar mi propio cuerpo que entendí que podía contar mi historia. Una carta de amor travesti en el Día de la Visibilidad Trans.
Investigación
Investigación Varios refuxiados denuncian á ONG Rescate Internacional por explotación laboral e agresión sexual
A Garda Civil investiga o centro de Mondariz-Balneario tras varias denuncias por parte de voluntarios migrantes que aseguran traballar sen contrato a cambio de 50 euros semanais. A ONG xestiona 1.700 prazas do programa estatal de acollida.
Galicia
Galicia A Xunta aprobou a celulosa de Altri argumentando que a súa cheminea de 75 metros sería “icónica”
O Informe de Patrimonio Cultural, favorable á multinacional, emitiuse con base en dúas encargas externas, contratadas e pagadas pola empresa ao ex presidente e ao actual tesoureiro de Icomos-España.
Educación
Educación Protocolos éticos en espacios educativos: ¿qué dicen sobre el abuso de poder?
La asociación de referencia para las escuelas gestalt acaba de aprobar un protocolo para detectar y abordar del abuso de poder. Otros ámbitos educativos cuentan con documentos éticos sobre este asunto.

Últimas

O Teleclube
O Teleclube 'Os Pecadores' loitan contra montruos reais e mitolóxicos no novo episodio de 'O Teleclube'
O dúo do director Ryan Coogler e o actor Michael B. Jordan estrean unha película sobre a experiencia afroamericana cunha ameaza sobrenatural engadida.
Madrid
Movimiento estudiantil Vuelve la acampada universitaria por Palestina y contra el asedio de Gaza por parte del Estado de Israel
Los estudiantes vuelven a acampar en el campus de la Universidad Complutense en protesta y contra el genocidio palestino que “ha continuado y se ha intensificado”. Acusan de “inacción” al Gobierno español y exigen detener el rearme europeo.
LGTBIAQ+
Informe Estado del Odio Las agresiones físicas y verbales a personas LGTBI+ se han duplicado en el último año
El informe Estado del Odio: Estado LGTBI+ 2025 revela que el 20,3 % de las personas LGTBI+ encuestadas ha sufrido acoso. La discriminación en ámbitos como el empleo, el acceso a servicios o la vivienda, alcanza al 25,25 % del colectivo.
Más noticias
Personas sin hogar
Personas sin hogar “No todos somos conflictivos”: la otra cara de los sintecho en Barajas
Las personas que “viven” en el aeropuerto de Barajas, como en tantos otros, son el reflejo de un problema de fondo: el aumento constante del sinhogarismo ante el encarecimiento del acceso a la vivienda.
Eléctricas
Eléctricas Aagesen descarta el ciberataque y sitúa la desconexión que llevó al apagón en Granada, Badajoz y Sevilla
La vicepresidenta tercera y ministra para la Transición Ecológica explica en el Congreso que siguen investigando, pero avanza que no fue un problema de cobertura ni de reserva. El Ejecutivo no ha detallado qué tipo de energía fue la que falló.
València
València La instrucción de la dana determina que Pradas y Argüeso cometieron una “grosera negligencia”
La magistrada Ruiz Tobarra resalta en un auto la inoperancia de la ex consellera y el ex secretario de emergencias, y califica como “absurdas” sus explicaciones sobre el retraso del sms.
Opinión
Opinión Por qué es vital que el mundo (y Europa) se desarme
Mientras buena parte de los políticos mundiales nos hablan de las amenazas que suponen los Otros, la conclusión en el campo de la ciencia climática es que los problemas del siglo XXI son consecuencia del modo de vida desmesurado del mundo occidental.

Recomendadas

Laboral
Laboral Coidar sen dereitos: a loita das traballadoras nas residencias privadas de Galiza
Sen tempo nin medios para ofrecer uns coidados axeitados, alertan dunha situación insostible nos centros e denuncian a privatización dun servizo a costa do benestar das persoas maiores e dependentes.
Uruguay
Muere Mújica Muere José Mujica: el descanso del guerrero
La muerte de Pepe Mujica hará aumentar sin duda la leyenda que rodeó durante tantos años al viejo guerrillero tupamaro convertido en presidente de Uruguay, pero no todos serán elogios.
Pensamiento
Michael Hardt “La respuesta a Trump no debe ser volver a la normalidad”
Pensador estadounidense y colaborador de Antonio Negri en algunas de sus mejores páginas, el filósofo Michael Hardt ha seguido dedicando su trabajo a la idea y a las prácticas del común.