Corpos Incómodos
Joana d'Arc e o paradigma de opressom

Ainda fica muito trabalho desconstructivo por fazer.

trans corpos incómodos
Imagen cedida por Amizando
8 jun 2020 10:35

Em 30 de maio de 1431, Joana d’Arc foi queimada por vestir com roupas masculinas. Após ser condenada a uma vida no cárcere, cominárom-na a “vestir consoante o seu sexo”; no momento em que desafiou esta regra, foi queimada. Em 2020, um grupo de abolicionistas tentou, no 8M, fora dos acordos e planos, encabeçar a marcha em Madrid. Isto provocou um conflito em que as faixas acabárom deitadas polo chão. Como gestora da conta de Facebook da associaçom FEMforte, achei transfóbicas aproveitando a briga do 8M para culpar e atacar mulheres trans. Nos coméntarios de um vídeo, no qual nom ficava claro que havia mulheres trans presentes, uma dúzia de mulheres escreviam #transagression e falavam de “hombres con falda atacando mujeres”. O ódio em certos sectores dos feminismos está tam longe da realidade que quase nom sei como começar.

Que é que tem a ver tudo isto com Joana d’Arc?

Vivimos sob um paradigma de opressom. Durante séculos, após as conquistas do Império Romano, a igreja cristã estabeleceu o seu poder e destruiu o mundo dantes. Nos dias de hoje sabemos bem que as pessoas trans existimos: socialmente, antropologicamente, cientificamente, fazemos parte do tecido da natureza e da experiência humanas. Muitas culturas têm mais de dous géneros ou mecanismos para estabelecer um lugar cultural para esta minoria. No entanto, a cultura dominante ao longo da historia de Europa impujo um paradigma de dous géneros imutáveis, punindo e matando milhentas pessoas que nom podiam existir dentro dele. Um paradigma é um marco de pensamento mui potente; estabelece uma “realidade” total, até o ponto de tornar mui difícil pensar alternativas fora dele. É célebre o caso de Giordano Bruno, que desafiou o paradigma científico-teológico imperante na sua época e foi condenado à morte na fogueira.

Assim, nós herdamos um paradigma de opressom que declara que há dous sexos, que o sexo é uma cousa visível (ligando sexo com genitais) e que o “género” só é uma manifestaçom cultural deste sexo. Noutras palavras: os homens têm pénis e as mulheres, vagina; nom há mais outra cousa no mundo. Por muito que saibamos, cientificamente, que este paradigma é falso, continua condicionando quase todas as nossas maneiras de pensar e falar de pessoas, corpos, género, sexo, mulheres, homens… É claro que nom há lugar para as pessoas nom-binárias neste paradigma.

Muitas culturas têm mais de dous géneros ou mecanismos para estabelecer um lugar cultural para esta minoria. No entanto, a cultura dominante ao longo da historia de Europa impujo um paradigma de dous géneros imutáveis, punindo e matando milhentas pessoas que nom podiam existir dentro dele.

É mui frequente ver como pessoas com boas intenções, querendo respeitar pessoas trans, ainda ficam condicionadas polo paradigma e repetem frases e palavras que nos oprimem. Assim, oprime a violência contra os bebés intersexuais, alterando-os, sem —obviamente— consentimento deles; oprime a negaçom, quer explícita quer implícita, da existência das pessoas trans e de que mereçam dignidade em igualdade. Esta paradigma é visível enquanto feministas, com boas intenções, falam do “corpo feminino” para falar de mulheres cis. Este paradigma é visível em mil momentos da minha vida, quando falo com amizades, vejo filmes ou leio livros, e reparo, que no mundo doutras, eu nom existo. Nom existir é cansativo.

A dura realidade é que temos por diante um enorme trabalho desconstructivo. A dura verdade é que, para uma mulher cis (nom trans) que passou toda a vida luitando dentro do feminismo, é cem vezes mais fácil deixar o paradigma intacto. O trabalho desconstructivo nom é fácil, e se nom entendes bem a sua necessidade é mais cómodo continuar no paradigma. Eu entendo isto, simpatizo. Manter um paradigma parece completamente normal, pois para isso está. Todo ele berra a mesma mensagem: “os homens têm pénis e as mulheres, vagina; nom há mais outra cousa no mundo”. É sentido comum, porque é isso que é exactamente um paradigma: a construçom cultural do nosso sentido comum. Outrora, acreditar que a Terra é plana era sentido comum.

Nom é possível acabar com a opressom sem acabar com o paradigma. Uma pessoa que quer respeitar as pessoas trans, mas nom está preparada para abandonar o paradigma,  talvez diria “eu sou a favor dos direitos das mulheres trans, mas nom som mulheres; temos que proteger as mulheres”. O que está a ser dito é que é o grupo dominante, opressor, quem nos define. Neste discurso eu nom sou sujeito, sou cousa que elas vam definir. Mas eu nom deixo a minha dignidade ser definida por outrem. Sou mulher, igual a qualquer outra e se pretendes roubar-me a minha igualdade, nom és em absoluto a favor dos meus direitos. Estás mantendo o paradigma de opressom e nom mui longe de começar a chamar-me “hombre con falda” e mentir num vídeo para dizer falsamente que estou atacando mulheres. Os mecanismos psicossociais que mantêm o poder paradigmático som tam fortes que podem transformar uma guerreira contra injustiça, uma feminista, numa vozeira de discursos de ódio. Dá mágoa ver tanta energia —que está na boa luita— perdida e deformada. Mesmo antes de “hombres con falda” escutamos cousas como “defendo que as pessoas trans nom sejam violentadas na sociedade, mas, agora estám exigindo demais, estám-se passando”. É uma mostra clara de que há vontade de “tolerar”, mas nom se está preparada para derrubar o paradigma da opressom. Em todo este debate, as pessoas cis mantêm o poder discursivo. Outro sinal seria seres a favor dos direitos das pessoas trans, mas sentires que há alguma cousa que che cansa no contacto com o colectivo. O feito de as nossas demandas te aborrecerem pode ser mostra de que nom te reconciliache com a profundidade dos conflictos e opressões que implica o paradigma.

Todo ele berra a mesma mensagem: “os homens têm pénis e as mulheres, vagina; nom há mais outra cousa no mundo”. É sentido comum, porque é isso que é exactamente um paradigma: a construçom cultural do nosso sentido comum. Outrora, acreditar que a Terra é plana era sentido comum.

A verdade é longe de nós estarmos a exigir demais. O certo é que nom estamos exigindo suficiente. Quero plena igualdade e estou bem longe de tê-la.

Muitas vezes, desde o transactivismo, mencionamos que os nossos direitos nom quitam nada dos doutras. Nom che quita nada reconheceres que existo e reconhecer a minha dignidade em igualdade. É certo que, materialmente, ninguém perde quando desconstruimos a opressom; mas, para acabar com um paradigma, tés de estar pronta a fazer um esforço bem grande para te libertar deste tecido grosso que define quase todo nas nossas maneiras de pensar e falar.  Reconheço, agora, aqui, que nom é facil.  Mas a única alternativa a este sacrifício é a opressom.

O bom é que os passos mais difíceis som os primeiros. Assim que reconhecermos que nom é suficiente com “tolerar” e “aceitar” as pessoas trans, mas que quase tudo na nossa maneira de pensar está construído sobre o alicerce da opressom, estaremos mais preparadas para escutar, aprender, desconstruir e reconstruir. O primeiro passo é o difícil. Depois, sempre haverá erros no caminho. A humildade é uma ferramenta necessária. Cada erro é uma oportunidade para aprendermos mais, para praticarmos mais. Assim, o caminho pode transformar a aparente dificuldade numa alegre aventura.

Que prazer, elevar vozes que estavam oprimidas durante séculos e milénios! Que honra sermos capazes de desconstruir maldades que se estendem e precedem ao assassínio de Joana d’Arc e além! O nível de dificuldade ou facilidade da tarefa depende totalmente na nossa vontade.

Informar de un error
Es necesario tener cuenta y acceder a ella para poder hacer envíos. Regístrate. Entra na túa conta.

Relacionadas

Laboral
Laboral Investigada unha rede empresarial que explotaba a 82 migrantes nunha granxa de Lugo
Polo de agora, tres persoas responsables da granxa de Begonte centran as investigacións da Garda Civil. As 82 persoas explotadas vivían nun hotel de Ordes (A Coruña) que non tiña sequera licencia de hostalaría.
Activismo
Movementos sociais A Comunidade de Montes de Tameiga vence ao Celta de Vigo e frea a construción dun centro comercial e un estadio
Os comuneiros e comuneiras desta parroquia de Mos (Pontevedra) conseguen torcerlle o brazo á empresa de Marián Mouriño que accede a renunciar ao 99% do terreo que tentaba ocupar cunha cidade deportiva que o pobo rexeitou con grandes mobilizacións.
#62780
9/6/2020 10:54

Houbo unha apropiación de certos feminismos da referente do movemento tolo e da súa memoria histórica. Algo semellante a apropiación sobre o triángulo negro dos campos de concentración da Alemaña nazi. Tanto Xoana de Arco coma o triángulo negro son símbolos do colectivo tolo e de superviventes da psiquiatría.

4
16
#63013
11/6/2020 18:29

Joana d'Arc é umha figura historica bem complexa. Encontramos o sentido mais concreto de 'intersecionalidade' quando umha pessoa ou colectiva cruza varias linhas de oppressom. Negras, por exemplo, lidando com racismo, sexismo, e a combinaçom destas oppresons tambem. Nom seria appropriaçom citar umha negra historica na luita contra sexismo, nem contra racismo. Tambem nom é appropriaçom, reconhecer que muitas luitas cruzam na figura histórica de Joana d'Arc. o facto de tornar se, ela, simbola de tolas, nom elimina a veracidade doutras oppresons que a sua historia mostra claramente.

22
0
Laboral
Laboral Investigada unha rede empresarial que explotaba a 82 migrantes nunha granxa de Lugo
Polo de agora, tres persoas responsables da granxa de Begonte centran as investigacións da Garda Civil. As 82 persoas explotadas vivían nun hotel de Ordes (A Coruña) que non tiña sequera licencia de hostalaría.
Galicia
Galicia ¿Quién es quién en Greenalia? La empresa que quiere otra celulosa en Galicia y arrasa olivares en Andalucía
Los tentáculos del entramado empresarial tras esta corporación tocan a gran parte de la oligarquía gallega. Desde medios de comunicación como 'La Voz de Galicia' hasta equipos de fútbol como el Deportivo o entidades financieras como Abanca.
Salario mínimo
Pacto bipartito Trabajo y sindicatos acuerdan la subida del salario mínimo en 50 euros sin el apoyo de la patronal
Díaz anuncia un acuerdo con los sindicatos que llevará al Congreso de Ministros de forma “inminente” la propuesta del Ministerio de Trabajo. Los sindicatos proponían una subida de 66 euros y la patronal, de 34 euros.
Hidrógeno
Descarbonización Los planes de expansión del hidrógeno en Europa chocan con la falta de energía verde para producirlo
La escasez de hidrógeno producido con renovables y el exiguo desarrollo del aluvión de proyectos anunciados ponen en entredicho la estrategia de descarbonización en Europa, según un informe de Global Energy Monitor.
Madrid
Justicia El fiscal general del Estado, en el alambre, declara como investigado ante el Supremo
Álvaro García Ortiz acude al alto tribunal a explicar su versión de las filtraciones denunciadas por el entorno de la pareja de Isabel Díaz Ayuso. Es la primera vez que un fiscal de su categoría declara como investigado.

Últimas

Dana
Tres meses de la dana “Aquí no llovió casi nada”
VV.AA.
Un vecino de Benetússer explica cómo la riada arrasó y cambió para siempre las vidas de miles de personas.
El Salto Radio
EL SALTO RADIO Cultura y resistencia desde América del sur
Cuatro historias sonoras de experiencias creativas y comunitarias en algunas ciudades de Perú, Argentina y Paraguay
Opinión
Opinión Monetizadores de la estupidez
Ser un chalado anticiencia puede llevar a pasearte por radios, televisiones y streamings porque eres rentable para gente sin un mínimo de ética periodística.
Más noticias
Gobierno de coalición
Gobierno de coalición Sánchez resucita el decreto ómnibus con más ayudas a los propietarios
El Gobierno anuncia un acuerdo con Junts para reflotar el decreto que permite revalorizar las pensiones con nuevos avales estatales para caseros. El presidente se compromete a convocar una moción de confianza.
Crímenes del franquismo
Víctimas de la dictadura Admitida a trámite otra querella por los crímenes del franquismo en Madrid
Carlos Serrano Suarez denuncia que fue sometido a torturas por parte de cinco policías de la Brigada Político Social. El juzgado número 41 ha decidido abrir el caso, algo que desde CEAQUA califican como “excepcional”.
Galicia
Galicia La Xunta maniobra para ampliar la balsa de lodos rojos de Alcoa pese a los riesgos medioambientales
La conselleira de Economía e Industria, María Jesús Lorenzana, garantizó al comité de empresa de la planta de Alcoa en San Cibrao, situada en Cervo (Lugo), que ampliará su capacidad a pesar del riesgo medioambiental.
Madres protectoras
Justicia Colectivos feministas piden medidas para asegurar un juicio justo a una madre protectora acusada de secuestro
Las organizaciones piden que se tome en consideración la denuncia por abusos sexuales contra el progenitor, los intentos de la mujer por buscar medidas de protección en España y el arrancamiento de su hija.

Recomendadas

Medio rural
Reportaxe As mulleres rurais soñan con deixar de ser heroínas
A falta de servizos básicos no rural é a primeira pedra no camiño de quen quere vivir e desenvolver os seus proxectos fóra da cidade. Aínda así, o rural galego atópase á cabeza en canto a titularidade feminina respecto á media do Estado español.
Literatura
Letras Galegas Da Sección Feminina do franquismo ao Cancioneiro Popular Galego: o pobo é quen canta e baila
As cantareiras protagonizarán o Día das Letras Galegas de 2025. Beatriz Busto e Richi Casás fálannos delas, de Dorothé Schubarth, do Cancioneiro Popular Galego e da dificultade de acceder aos arquivos sonoros que conservan as súas voces.
Jaén
Andalucía Lopera no quiere que Greenalia especule con sus olivos
Decenas de pequeños olivareros de la Campiña Norte de Jaén podrían perder sus terrenos en beneficio de una empresa que quiere talar los árboles para instalar siete parques fotovoltaicos.