Política
Umha leitura nacional-popular de James C. Scott

James C. Scott, é um dos mais genuínos prolongadores da obra de Gramsci, embora desenvolva umha extensa crítica do seu pensamento.

Lenin en Petrogrado durante la revolución rusa
Lenine em Petrogrado durante a revoluçom rusa.
17 nov 2020 09:01

A maioria das culturas políticas da esquerda compartem umha sorte de antropologia leninista espontânea que, seguramente, nom deva tanto ao próprio pensamento teórico de Lenine quanto a uns esquemas práticos e de perceçom que se foram sedimentando historicamente nas práticas militantes e na sua forma de relacionar-se com o mundo. Entre estes automatismos impensados que as militantes incorporam e reproduzem quase desde que começam sua atividade política organizada, e em rutura iniciática com as formas de protesto populares e menos formalizadas ideologicamente, está o de detetar e qualificar sistematicamente como “pseudocríticas” aquelas discrepâncias populares com o poder que, ao nom abrangerem nas suas críticas o sistema como um tudo global, se supom que no fundo contribuiriam pouco menso que a “reforçá-lo” (um exemplo trivial: as críticas aos comportamentos mais reprocháveis do rei que, contudo, nom chegam a atingir a toda a instituiçom monárquica no seu conjunto). Esta antropologia espontânea militante predispom a pensar mais por blocos que por campos, vendo “válvulas de escape” astutamente abertas polo poder nas manifestaçons de descontentamento popular político que nom contam com a sua direçom e, igualmente, a festejar como umha “clarificaçom” o arrefecimento desses protestos quando só ficam neles os setores mais militantes e ideologizados. “É melhor sermos quatro com as ideias bem claras”, di-se amiúde como eufemismo do fracasso na articulaçom de um movimento popular. Ainda, este esquema de pensamento tende a umha conceçom estática das identidades políticas, vistas como pré-existentes à própria luita política e nom como fruto da mesma, de forma que, como criticava ironicamente Stuar Hall, se entende “a teoria política como Trivial Pursuit”: “o interior é conservador”, “os autónomos som de direitas”... Além disso, para esta forma militantista de entender o funcionamento da sociedade e as suas transformaçons, o novo surgiria sempre em oposiçom radical ao velho e sem demasiadas herdanças deste.

Política
Feijóo, o PPdeG e a hegemonia
A esquerda galega parece conforma-se com ser a aristocracia cultural duns sectores subalternos aos que reganhar eternamente.

O antropólogo James C. Scott, quem estudou com detenimento a forma em que os grupos dominados resistiam realmente na prática, sem conformar-se com as suas declaraçons ideológicas públicas e formais que amiúde mostram muito mais conformismo do realmente existente, defende umha interpretraçom “menos ingénua do monarquismo ingénuo”, fenómeno que pode servir-nos de caso paradigmático para ilustrar os limites da antropologia leninista. Ao longo da história numerosas rebelions populares contra a tirania iniciárom-se nom contra um longínquo rei ou chefe de estado, senom em nome do mesmo —em tanto que figura detentora de legitimidade universal— e contra os muito mais próximos funcionários do estado, corrutos que presumivelmente estariam a atuar injustamente em desobediência às ordens justas do monarca.

Ao longo da história numerosas rebelions populares contra a tirania iniciárom-se nom contra um longínquo rei ou chefe de estado, senom em nome do mesmo.

O caso mais conhecido é o do mito russo do czar-libertador estudado por Daniel Field. Parece que polo menos desde o s. XVII amplos setores do campesinado acreditariam na bondade de um czar que desejava a redençom do povo, mas cujos planos eram frustrados por cortesaos e oficiais interessados em manter o submetimento. Depois de salvar-se de um intento de assassinato, o czar teria-se refugiado entre o povo, onde conhece de primeira mao os seus sofrimentos antes de regressar ao poder e impartir justiça. Para Lenine e os bolxeviques dita crença teria sido umha força ideológica conservadora, que mantinha o povo equivocado, passivo e à espera de umha falsa salvaçom:


“Até agora [os camponeses] foram capazes de acreditar ingénua e cegamente no czar-batiushka [libertador], procurando obter algum alívio das condiçons de extrema dificuldade em que viviam da própria pessoa do czar-batiushka e atribuindo toda a culpa da coerçom, da arbitrariedade e da espoliaçom de que eram vítimas aos oficiais do czar, que seria enganado por eles. Sucessivas geraçons de mujiques oprimidos, vivendo miseravelmente em zonas remotas e abandonadas, ajudaram a reforçar esta convicçom […] Os camponeses nom podiam rebelar-se, a única cousa que eram capazes de fazer era suplica a rezar”.


Apesar do que cria Lenine, Scott sustém que “nom existem quaisquer elementos que provem que o mito do czar promovia a passividade política entre os camponeses, polo contrário, tudo leva a crer que esse mito poderia até facilitar a resistência dos camponeses”. A historiografia, de facto, confirma umha enxurrada de rebelions ao poder em nome deste mito supostamente conservador que, nas maos dos camponeses e à falta de qualquer outro recurso simbólico, conseguiam fazer passar a sua resistência violenta por ato de lealdade à Coroa, embora em nome dos seus próprios interesses. O fenómeno que descreve Field é o de uns líderes populares que usavam esse mito, sem deixar-se dominar polos seus limites, para articular através dele as demandas nom unificadas do campesinado. Todo o contrário, pois, do reforçamento da passividade.

Um atento Karl Marx deixou anotado, nom sem ironia, que: “Se tivermos em conta a tradiçom espanhola, nom é possível que o partido revolucionário atingisse a vitória derrocando o trono. Entre os espanhóis, a revoluçom, para chegar à vitória, tinha de apresentar-se como competidora do trono”.

Atingido o poder em 1917 polos bolxeviques, mas já desde a revoluçom de 1905, Lenine topa-se com a realidade do mito do czar-batiushka. Escritores e historiadores estrangeiros, sem dúvida pola sua hostilidade à revoluçom, foram os mais cuidadosos na observaçom e documentaçom deste fenómeno que achariam umha prova das incongruências dos sovietes. Assim, o embaixador George Buchanan lembrava como um soldado lhe dixera: “Sim, precisamos umha república, mas para dirigi-la deve haver um bom czar”; ou o historiador Frank Golder, quem apontou: “contam-se histórias de soldados que querem umha república como a Inglaterra ou umha república com um czar. Um soldado dixo que queria escolher um presidente, e quando lhe perguntárom: ‘A quem escolherias?’, contestou: ‘o czar’.” Outros casos mencionados som o de um deputado menxevique enviado a falar das vantagens da república aos soldados de um regimento, sendo fortemente aplaudido ao rematar entre berros de “queremos-te como czar”. Também resultam interessantes as cartas de soldados vermelhos, inçadas de desejos aparentemente paradoxais como “queremos umha república democrática e um czar-batiushka durante três anos”, ou “seriam bom se tivéssemos umha república com um czar com sentido comum”. O próprio Lenine teria vivido esse tipo de episódios ao ser, para a sua perplexidade, aplaudido polo povo como um bom czar em inauguraçons e discursos públicos a pesar do seu enorme esforço pedagógico para explicar que vinhera rematar com o czarismo.

Tampouco faltam na história da Galiza exemplos bem conhecidos de “monarquismo ingénuo”, a começar polas Revoluçons Irmandinhas lançadas contra a nobreza ao berro de “Viva el-Rei!”; a Francesada —contra as tropas napoleónicas mas também aplicando medidas revolucionárias cara dentro— em nome de Fernando VII; ou a Revoluçom Galega de 1846, que inicia Solís em Lugo ao berro de “Viva a Raínha Livre!” (Ernesto Laclau, neste sentido, gosta de contar a anedota da moça que, à saída dum hospital onde nom lhe quigeram praticar o aborto que ela precisava, pega numha pedra e lança-a contra os vidros ao berro de “Viva Perón!”). Um atento Karl Marx deixou anotado, nom sem ironia, que: “Se tivermos em conta a tradiçom espanhola, nom é possível que o partido revolucionário atingisse a vitória derrocando o trono. Entre os espanhóis, a revoluçom, para chegar à vitória, tinha de apresentar-se como competidora do trono”. Porém, menos idealista do que Scott é por vezes nisto, Marx também soubo ver os limites que estabelecia para as forças revolucionárias esse condicionante histórico.

O acópio de dados históricos que realiza e a renovada atençom às rebelions tal e como elas se produziram realmente na prática e vistas de baixo, da ótica das pessoas comuns, revalorizam as intuiçons gramscianas

Fronte à tradiçom maioritária da antropologia leninista, há umha outra cultura política que arranca no campo da teoria com Gramsci mas que sempre está silenciosamente presente na prática de qualquer movimento progressista popular, sustentada numhas bases sociologicamente mais realistas acerca do funcionamento das luitas sociais. Para o comunista sardo o “sentido comum”, a “filosofia dos nom filósofos” ou “folklore da filosofia”, é umha conceçom do mundo social necessariamente “segregada, incoerente, inconsequente”, mas também é a matéria prima de toda luita ideológica e o seu inexcusável ponto de partida. Face às ilusons cartesianas de ganhar batalhas políticas em base à acumulaçom de razons ou estatísticas que “desvendem” a verdade da dominaçom, e protagonizadas por uns sujeitos surgidos ex nihilo com umha claridade e coerência ideológicas absolutas, Gramsci teima em que “nom é questom de introduzir de zero umha forma científica de pensamento dentro da vida inteletual de cada pessoa, senom procurar renovar e tornar crítica umha atividade já existente”, encontrando no sentido comum popular núcleos de “bom senso” que articular e desenvolver. James C. Scott, embora desenvolva umha extensa crítica do pensamento gramsciano, é um dos seus mais genuínos prolongadores críticos neste sentido; embora muito mais lido —politicamente— polo anarquismo, Scott também apresenta materiais valiosos para as chamadas estratégias nacional-populares. O acópio de dados históricos que realiza e a renovada atençom às rebelions tal e como elas se produziram realmente na prática e vistas de baixo, da ótica das pessoas comuns, revalorizam as intuiçons gramscianas: os seus trabalhos demonstram como a indignaçom popular sempre parte dos momentos em que o poder nom está a respeitar os princípios dos que emana a sua própria legitimidade, muito mais do que pola própria injustiça destes princípios por si soa; que as revoluçons também nom partem de zero, senom que se fam sempre apartir dos materiais simbólicos da ordem social pré-existente, rearticulados polos interesses populares; e ainda, que precisamente dessa impugnaçom do poder a partir dos seus próprios elementos as classes subalternas nom só se defendem melhor da repressom, senom que obtenhem grandes doses de legitimidade popular para os seus fins políticos.

Informar de un error
Es necesario tener cuenta y acceder a ella para poder hacer envíos. Regístrate. Entra na túa conta.

Relacionadas

Donald Trump
Estados Unidos Trump como herramienta de la historia
El 20 de enero de 2025 marcará el fin simbólico del neoliberalismo global.
Marxismo
Pedro Rey “Todas as clases están suxeitas á dominación capitalista”
O investigador valora a recepción da obra de Marx en Galiza e defende que esta é o mellor compás para orientarnos nas batallas políticas deste tempo. É hora de volver ao xenio de Tréveris? Pode previrnos do desencanto?
#74575
17/11/2020 14:23

Errejón vs Garzón?

0
1
Asturias
Asturias Cinco muertos en la mina de Zarréu: demasiadas preguntas sin respuesta
El accidente más grave en la minería asturiana en casi tres décadas vuelve a poner en cuestión el sistema de permisos, controles y ayudas públicas para minas en proceso de reconversión.
Estados Unidos
Estados Unidos Estudiantes de Columbia luchan contra las amenazas de deportación
Los estudiantes de Columbia se unen mientras el ICE y el Departamento de Policía de Nueva York (NYPD) atacan el activismo palestino. “[Columbia] está dispuesta a concederle al gobierno de Trump todo lo que quiera”, declara un estudiante a Mondoweiss.
Aviación
Travel Smart Las multinacionales españolas, a la cola de la reducción de emisiones por vuelos de negocios
Un estudio publicado este martes por organizaciones ecologistas señala que las emisiones por vuelos de negocios a nivel global se han reducido un tercio, pero las empresas españolas van a la zaga y suspenden en transparencia u objetivos concretos.

Últimas

Represión
Policía infiltrado La Directa destapa un nuevo caso de policía infiltrado, esta vez, en el activismo de Lleida
Bajo la identidad falsa de Joan Llobet García, un agente de la trigesimosegunda promoción de la Academia de Ávila, pasó dos años infiltrado en espacios independentistas, estudiantiles y ecologistas.
Maltrato animal
Maltrato animal Lidl denuncia a los animalistas que detectaron afecciones en la carne de pollo de la cadena
El Observatorio de Bienestar Animal asegura que el departamento legal de la cadena les pidió que eliminaran todas las publicaciones sobre ellos y creen que es una estrategia legal para silenciarles.
Derecho a la vivienda
Manifestación estatal Mapa | Más de 40 ciudades se movilizan este 5 de abril por el derecho a la vivienda
Decenas de miles de personas en más de 40 localidades de todo el Estado español saldrán a la calle el próximo 5 de abril para reclamar medidas para hacer frente a la crisis de vivienda.
Más noticias
Israel
Guerra en Gaza Israel ordena evacuar Rafah ante la previsión de un ataque terrestre
En la mañana del 31 de marzo, las fuerzas militares de Israel han ordenado a la población evacuar gran parte de Rafah, en el sur de la Franja de Gaza.
Opinión
Opinión ¿Cómo acabar con el negocio de la vivienda?
Las reivindicaciones del 5A: bajada de alquileres, paralización de desahucios, desmantelamiento de las empresas de desokupación, ayudarían a acabar con la crisis de vivienda. Pero estas medidas son impensables en este sistema económico.
Francia
Francia Marine Le Pen es condenada por malversación y no podrá concurrir a las elecciones de 2027
Un caso de corrupción con los asistentes del Parlamento europeo golpea a la ultraderecha francesa. Le Pen y su partido, Agrupación Nacional, son condenados por el Tribunal Penal de París.
Precariedad laboral
Precariedad laboral Europa presiona de nuevo a España para que modifique la indemnización por despido improcedente
El Consejo de Europa concluye que el sistema español viola la Carta Social Europea al considerar que la compensación española no repara el daño a los trabajadores ni disuade de hacerlo.
Myanmar
Terremoto Myanmar: un país bajo los escombros
Con el cronómetro en contra, los equipos de rescate de Myanmar continúan buscando bajo los escombros a los supervivientes del que ya se considera el peor terremoto sufrido en las últimas siete décadas en el país.

Recomendadas

Redes sociales
El asesino de los CEO El fenómeno fan Luigi Mangione, ¿por qué tanta gente apoya a un asesino?
El caso del chico de clase alta que disparó sobre un CEO de una aseguradora médica ha desatado una ola cultural y de apoyo como no se había visto antes.
Militarismo
Alejandro Pozo “El oportunismo de la industria militar española aprovechando lo que pasa en Gaza es grave”
Este investigador sobre paz, conflictos armados, desarme y acción humanitaria denuncia que el rearme ya está teniendo lugar y que el Ejecutivo escamotea información sobre las relaciones comerciales de la industria con Israel.
Literatura
Silvia Nanclares “Moratalaz nace como barrio franquista, solo que no contaban con la presión vecinal”
Con ‘Nunca voló tan alto tu televisor’ la escritora madrileña regresa a su barrio y examina lo que quedaba debajo de la cáscara de progreso que supuso la construcción del edificio de Torrespaña, aun hoy uno de los más reconocibles de la ciudad.
Galicia
Galicia Bimba y Lola se aleja de las fibras textiles de Altri con la salida del presidente de Greenalia de su consejo
El presidente de Greenalia y antiguo consejero delegado de Inditex, José María Castellano, abandona su puesto en la empresa cerrando una puerta más a la salida de la celulosa supuestamente creada para fibras textiles.