Ecologismo
A escura pegada digital

Através de inúmeros instantâneos e dados, a banda desenhada 'La oscura huella digital' expõe alguns dos padrões, custos e dependências do presente hiperconetado.
la oscura huella digital
Capa da banda desenhada de 'La oscura huella digital'. Foto: Errata naturae.

Colaborador do Instituto Resiliencia.

29 nov 2023 06:00

Compêndio de banda desenhada sobre o impacto da tecnologia no nosso quotidiano e nas alterações climáticas, a versão em castelhano foi publicada em vésperas do outono. O premiado autor Philippe Squarzoni tem uma longa carreira no género e abordou uma multiplicidade de questões sociais e políticas em cenários europeus, americanos e do Médio Oriente.

A história começa num contexto doméstico, com um pai e uma filha no confinamento durante a pandemia, mas rapidamente se abstrai para um panorama tecno-social, ou poderíamos dizer que salta para a nuvem. Recorrendo em grande parte a montagens de três vinhetas horizontais por página e a outras composições que acrescentam vinhetas de grandes dimensões com texto de apoio, a obra resvala para uma avalanche de dados sobre a comunicação digital e a forma como esta molda as nossas vidas. Números e percentagens que são incessantemente lançados sobre os olhos do leitor ou leitora, muitas vezes sem qualquer relação com as imagens sobre as quais estes cartuchos escritos estão dispostos. Assim descrito, convida-nos a pensar que é tremendamente difícil tecer em conjunto não um, mas pelo menos alguns fios narrativos, e de facto essa é uma das grandes falhas deste livro. Em suma, trata-se de um retrato pessimista dos efeitos de um consumo desproporcionado de recursos, que dispara incessantemente estatísticas até o leitor ficar esgotado. Assim, textos relativamente curtos a nível episódico são expandidos em inúmeras caixas de texto e, como isso torna a leitura cansativa, o autor é obrigado a fornecer contrapontos, pausas para descanso sob a forma de capítulos mais curtos. Nestes, a voz do narrador desaparece e ele joga com instantâneos, compondo mosaicos de flashes que retratam as notícias falsas ou a insurreição trumpista.

Trata-se de um retrato pessimista dos efeitos de um consumo desproporcionado de recursos.

Um dos aspectos mais marcantes é a ausência de alternativas. Podemos ter pouca margem de manobra nesta catástrofe de que somos vítimas e participantes, mas tanto quanto nenhuma, também não é o caso. Por exemplo, quando o autor se concentra nos atores relevantes do esquema dominante (Google, Amazon, Facebook, Microsoft ou Apple) em nenhum momento é dito que se pode renunciar usar o Google, que se pode optar por nunca comprar na Amazon ou por não ter uma conta no Facebook, ou por usar o Linux em vez do Windows. Se o pouco que está ao nosso alcance não for exercido, um estudo como este corre o risco de se tornar um exercício de autoflagelação. Nesse sentido, levanta problemas mas nem sequer sugere tentativas de solução. E quando pergunta: “Será que as tecnologias digitais podem realmente substituir outras tecnologias com mais impacto?” a resposta é simples: não. Mas esta conclusão pode ser alcançada através de outros títulos desenvolvidos com maior solvência, como O Mundo Sem Fim, onde fala um especialista como J. M. Jancovici, um defensor da energia nuclear com quem nem sequer precisamos de concordar para podermos ler nas entrelinhas.

BD pegada dixital
Vinheta da banda desenhada.

A edição de La oscura huella digital, que na versão espanhola da Errata Naturae acho bastante boa, falha na escolha tipográfica, com péssimos s's e o's. O estilo quase fotográfico do autor também não é do meu agrado (outro caso, O Fotógrafo, de Didier Lefèvre) e, se juntarmos a isso o facto de eu ler sobretudo ficção e de, em geral, não me sentir muito atraído por ensaios desenvolvidos na linguagem da banda desenhada, há circunstâncias suficientes para tornar a incursão pouco promissora. Se falarmos de obras mais ou menos classificáveis no género ensaístico de que gostei (de assinaturas e perspectivas tão díspares como Chester Brown, Hiromu Arakawa, Barbara Stok ou Juanjo Sáez) ou cujo labor reconheço (Christophe Blain ou Sergio García), não se tratava de publicações para o público em geral, produzidas profissionalmente mas sem grande brilho e destinadas a divulgar uma disciplina científica, uma biografia ou um tema de atualidade. Pelo contrário, eram trabalhos com um fortíssimo cunho autoral, em que os criadores ou falavam na primeira pessoa de algo que lhes era muito íntimo ou tinham mergulhado profundamente na questão central. Em contrapartida, Squarzoni acho-o mais um mero espetador —como qualquer um de nós poderíamos ser— com a sua própria opinião, por muito que esta ser apoiada pela quantidade de informação recolhida. Que, aliás, para mim, nunca consegue livrar-se da sensação de ser uma simples acumulação de recortes de jornais, sem apresentar a sua própria voz ou ideias originais.

Este estudo levanta problemas sem sugerir tentativas de solução, mas pode ser útil como material para o ensino secundário.

Deixando de lado essa avaliação pessoal, este parece ser um produto perfeitamente comercializável, capaz de chegar a leitores que não são necessariamente frequentadores de banda desenhada e, sobretudo, àqueles que se interessam pelas questões que aborda, especialmente se nunca as tiverem considerado antes, embora isto último seja um pouco estranho nos dias de hoje. Nunca é demais voltar a sublinhar o custo ambiental de um só terminal de telemóvel inteligente como os que trazemos connosco. Também é interessante deixar de imaginar a Rede como uma entelequia abstrata, quando ela é mais uma soma de acumulações maciças de computadores das grandes empresas tecnológicas e, nas palavras de Squarzoni, uma monstruosa rede submarina à escala planetária. Propondo utilizações, considero este tratado útil como material para o ensino secundário, porque pode convidar à reflexão e abrir debates básicos como: quanto custam os nossos hábitos? É possível mudá-los?

Em suma, o defeito que vi nesta banda desenhada é que não me parece estar a meio caminho —como diz a informação editorial— entre uma novela gráfica, um ensaio autobiográfico (pai e filha são uma desculpa, apenas figurantes) e uma investigação jornalística. Ou talvez seja, e esteja precisamente a meio caminho entre todos eles. A meu ver, falta-lhe uma estrutura e fio narrativo sólidos, não comunica nada em termos de experiência pessoal (como fez Guy Delisle, por exemplo) e não faz uma contribuição relevante em termos da reportagem (algo em que Joe Sacco é um mestre consumado). Por isso, em nenhum destes aspetos acho que calha.

Com as suas múltiplas frentes, a magnitude do problema —quase se poderia dizer civilizacional— abordado por este título está provavelmente devidamente reflectida naquilo que nos conta. No entanto, opino que a forma como o faz, ou seja, a estrutura do volume, o uso da linguagem da BD e os recursos narrativos a que recorre, não é particularmente brilhante. A voz em off e o aparato visual monocórdico e o caos de conteúdos, por mais avassalador que seja o volume de dados que apresenta, podem até ser considerados uma metáfora adequada ao nosso tempo, mas isso não faz dele automaticamente um livro notável.

Arquivado en: Ecologismo
Sobre o blog
O Centro de Saberes para a Sustentabilidade (CSS) é un Regional Centre of Expertise on Education for Sustainable Development recoñecido oficialmente pola Universidade das Nacións Unidas. Ten como misión fundacional “informar, sensibilizar e implicar a comunidade educativa e a sociedade no seu conxunto na promoción da transformación social necesaria para o cumprimento dos Obxectivos de Desenvolvemento Sustentable a través de experiencias cos pés na terra que fomenten a conservación, a sustentabilidade, a protección ambiental e a resiliencia“. O goberno do CSS é horizontal e democrático a través dun Consello Reitor formado por representantes de todos os axentes participantes. Máis información: http://www.saberes.eu
Ver todas as entradas
Informar de un error
Es necesario tener cuenta y acceder a ella para poder hacer envíos. Regístrate. Entra na túa conta.

Relacionadas

Huelva
Medio ambiente Los vertidos al río Tinto tras la borrasca Laurence reabren el debate sobre los fosfoyesos en Huelva
El movimiento vecinal y ecologista denuncia que el Plan Restore 20/30 para el tapado de los fosfoyesos impulsado por la empresa Fertiberia no es la solución a esta problemática medioambiental
Granada
Medio ambiente El movimiento vecinal y ecologista consigue paralizar la planta fotovoltaica en Víznar
Ecologistas en Acción celebran la decisión con una “sensación agridulce”, ya que “los daños han sido muy graves y creen que irreparables. Actualmente en la provincia de Granada hay en marcha más de cien proyectos de energía renovable
Movimiento ecologista
Represión Organizaciones ecologistas cierran filas en torno a Greenpeace tras la multa millonaria por una protesta
Un tribunal estadounidense ha condenado a la ONG a pagar más de 660 millones por una protesta de 2016, lo que podría poner en peligro la actividad de Greenpeace en Estados Unidos: “Hoy le pasa a Greenpeace, mañana le puede pasar a cualquiera".
Sobre o blog
O Centro de Saberes para a Sustentabilidade (CSS) é un Regional Centre of Expertise on Education for Sustainable Development recoñecido oficialmente pola Universidade das Nacións Unidas. Ten como misión fundacional “informar, sensibilizar e implicar a comunidade educativa e a sociedade no seu conxunto na promoción da transformación social necesaria para o cumprimento dos Obxectivos de Desenvolvemento Sustentable a través de experiencias cos pés na terra que fomenten a conservación, a sustentabilidade, a protección ambiental e a resiliencia“. O goberno do CSS é horizontal e democrático a través dun Consello Reitor formado por representantes de todos os axentes participantes. Máis información: http://www.saberes.eu
Ver todas as entradas
Salario mínimo
Salario mínimo PSOE y Sumar intentan llegar a un acuerdo para no perjudicar con el IRPF a los trabajadores con el SMI
La ministra de Hacienda ha confirmado que sería “algún tipo de medida que permita compensar a aquellos pocos trabajadores” en la situación de tener que tributar con el salario mínimo.
Residencias de mayores
Residencias Fondos de inversión y residencias: la mano invisible que retuerce los cuidados
Mientras DomusVi, en manos del fondo de inversión ICG, ya es la empresa con más residencias privadas del Estado, residentes, familiares y trabajadoras explican lo que supone que las prácticas especulativas acunen la vejez de las personas.
Opinión
Opinión Bretón no es un monstruo, ni Martín el nuevo Capote
Frente a la libertad sin peros que defienden unos, la responsabilidad de muchos: la de ciudadanos y librerías que se niegan a comprar o vender, respectivamente, el libro que Anagrama ha tenido a bien materializar.
LGTBIfobia
Manifestación Plataforma Trans planta cara a la transfobia con una manifestación contra el odio
La convocatoria el 29 de marzo denuncia un contexto internacional antiderechos. La organización pide a partidos y sindicatos que se sumen a la marcha porque la transfobia es un problema social, y por lo tanto también político, explican.

Últimas

AGANTRO
Agantro Tatuaxe: terapia e tendencia
Da marxinación á moda, o carácter simbólico e ritual da tatuaxe atópase actualmente erosionado polas dinámicas capitalistas.
Música
Música Pervertidos y puritanos, a los pies de Ethel Cain
Proyectos musicales como ‘Perverts’ de Ethel Cain son capaces de imponer silencio en medio de tanto ruido para pensar en un momento en que las redes sociales son herramientas tendenciosas para la difusión de propaganda de ultraderecha.
Gasto militar
Gasto militar “No nos resignamos a la guerra”: 70 organizaciones rechazan la deriva militarista de la UE y el Gobierno
Más de 70 organizaciones y personalidades de la cultura y el activismo firman un manifiesto que rechaza la escalada belicista y el rearme frente a una posible agresión rusa.
Palestina
Cisjordania Hamdan Ballal, codirector de ‘No other land’, agredido por colonos israelíes
Según los testigos que presenciaron el ataque, el cineasta está herido. Poco antes de las 14h el codirector de la cinta ha anunciado que Ballal ha sido puesto en libertad.
Minería
Minería estratégica en Extremadura La Comisión Europea declara “estratégicos” tres proyectos mineros en Extremadura
Las Navas (Cañaveral), Aguablanca (Monesterio) y La Parrilla (Almoharín) obtendrán financiación, verán facilitados sus procesos de tramitación y se beneficiarán de plazos más reducidos. La mina de Valdeflores no es considerada estratégica.
Más noticias
Obituario
Obituario Jesús Santos, el basurero que se ganó el corazón de Alcorcón
Alcorconero de toda la vida, teniente alcalde, activista social y sindicalista, Jesús Santos hizo que aquellos que le acompañaron en su camino se ilusionaran por la política.
Israel
Genocidio Mercadona vende tampones y patatas procedentes de Israel
En 2024 se produjo una reducción de las importaciones de tampones y patatas israelíes. Mercadona es una de las plataformas que trabajan con estos productos.
Madrid
Madrid La Sareb amenaza con el desahucio a dos jóvenes activistas en Carabanchel
Cadete 7, el bloque en lucha del que el ‘banco malo’ prevé desalojarles de forma inminente este jueves 27, fue el primero recuperado por el movimiento de vivienda de Madrid en 2013 tras haber permanecido deshabitado desde 2008.
Palestina
Palestina Egipto abre la puerta a un nuevo alto el fuego en Gaza con el visto bueno de Hamás y EEUU
A cambio de la retirada gradual de la tropas de Israel en la Franja, serían liberados cinco rehenes cada semana. El Gobierno de Netanyahu no se ha pronunciado y siguen los ataques contra población civil.

Recomendadas

Medio ambiente
Medio ambiente Milleiros de persoas enchen A Pobra do Caramiñal para berrar contra a celulosa de Altri e a mina de Touro
Unha grande multitude por terra e centos de embarcacións por mar esíxenlle ao Goberno de Alfonso Rueda que “recúe” ante o potencial desastre ambiental que sobrevoa Galiza.
Guerra en Ucrania
Guerra en Ucrania Colegios underground en Járkov después de tres años de guerra
La ciudad ucraniana construye escuelas subterráneas, preparadas para aguantar ataques balísticos y nucleares.
Feminismos
Irene García Galán “La memoria feminista hay que construirla desde abajo, desde nuestras casas”
‘Hilaria’ (Errata Nature, 2025) es un libro dedicado a la tatarabuela de Irene García Galán, pero también un ensayo político que navega a través de la memoria feminista, el antipunitivismo y el anarquismo.
Argentina
Estela de Carlotto “Faltan todavía muchos nietos por encontrar”
Al cumplirse 49 años del golpe cívico-militar, la presidenta de Abuelas de Plaza de Mayo dialogó con El Salto y apuntó contra el Gobierno de Milei y su ministra de Seguridad, Patricia Bullrich, que encabeza la represión de la protesta social.